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sábado, 30 de abril de 2016

1984, George Orwell | RESENHA


“Ao futuro, ao passado, a um tempo em que o pensamento seja livre, em que os homens sejam diferentes uns dos outros, em que não vivam sós – a um tempo em que a verdade exista e em que o que for feito não possa ser desfeito: Da era da uniformidade, da era da solidão, da era do Grande Irmão, da era do duplipensamento – saudações!”


4 de abril de 1984 – é nessa data que Winston Smith, 39 anos, funcionário do Ministério da Verdade no Departamento de Registros e morador de Londres, uma província da Oceania, começa, absurdamente, a escrever um diário. Bom... Pelo menos é o que ele acha. Nesses tempos não tem como ter certeza das datas.

O que há de tão absurdo nisso? Simples: qualquer expressão de individualidade é crime, ou, melhor dizendo, pensamento-crime.

Antes de irmos direto ao enredo, vamos a alguns dados importantes pra quem nunca ouviu falar dessa obra genial de George Orwell. Pode parecer muita coisa, mas é justamente por causa de cada detalhe que esse é de, longe, um dos meus livros preferidos.

Coisas que você precisa saber:

  • A população mundial foi dividida em três partes: Eurásia, Lestásia e Oceania.
  • Essas três partes vivem em guerra constante mas todas elas, no fim das contas, têm o mesmo objetivo: manter o Governo no poder indeterminadamente.
  • Na Oceania, o cabeça do Partido é o Grande Irmão, a quem todos são submissos e cegamente devotados.
  • A História não existe. O Núcleo do Partido controla passado, presente e futuro e não se tem registro de absolutamente nada antes da Revolução. Tudo o que se tem documentado é aquilo que o Partido quer que exista. Todas as informações são manipuladas e toda a população acredita cegamente que o que o Partido diz é uma verdade absoluta e incontestável (aliás, nem se passa pela cabeça deles contestar qualquer coisa que seja), o que só acontece por conta do duplimensamento: Controle da Realidade.
  • Há a Novafala – forma ortográfica implementada pelo Partido que visa o banimento do maior número de palavras possível do vocabulário, bem como a criação/alteração de palavras para estreitar a capacidade de expressão. Quanto menos palavras, menor é o pensamento porque, na verdade, não há forma de expandir o que pensamos se não soubermos como fazê-lo. Logo, a Novafala serve como um instrumento incapacitante que diminui as habilidades cognitivas do cérebro a ponto de transformar o ser humano numa espécie de autômato;

"Você não vê que a verdadeira finalidade da Novafala é estreitar o âmbito do pensamento? No fim teremos tornado o pensamento-crime literalmente impossível, já que não haverá palavras para expressá-lo. Todo conceito de que pudermos necessitar será expresso por apenas uma palavra, com significado rigidamente definido, e todos os seus significados subsidiários serão eliminados e esquecidos. (...) Menos e menos palavras a cada ano que passa, e a consciência com um alcance cada vez menor."

  • Há o Ministério da Verdade (miniver) – “responsável por notícias, entretenimento, educação e belas artes”;
  • Há o Ministério da Paz (minipaz) – “responsável pela guerra”
  • Há o Ministério do Amor (minamor) – que cuida da “lei e ordem”;
  • Todos são vigiados 24h por dia através das teletelas (aparelhos através dos quais se pode ver tudo o que se faz e ouvir tudo o que se fala. As teletelas nunca podem ser desligadas, nem mesmo nos banheiros. Nunca se sabe quando estão vigiando ou não.
  •   "Dissimular os próprio sentimentos, manter a expressão do rosto sob controle, fazer o que os outros fazem: tudo reações instintivas." 
  • Não existe o conceito de família que nós conhecemos. As pessoas só se casam quando o Partido considera conveniente que determinada mulher (que seja social e politicamente compatível com determinado homem) procrie. As pessoas só se casam com consentimento, e qualquer tentativa de estabelecer um relacionamento somente por afeto nem sequer se passa pela mente das pessoas. As crianças são, desde muito novas, educadas para serem devotas ao Partido e ao Grande Irmão e sentimentos afetivos nunca são estimulados. A segurança e a ortodoxia vêm em primeiro lugar sempre.
  • Basicamente a divisão das camadas sociais é como no esquema de pirâmide:
– o Grande Irmão seria o “olho” do topo da pirâmide, o líder do Partido. Foi, supostamente, ele que começou a revolução e é ele a peça chave que fomenta o ódio contra os inimigos. É ele o salvador que vai destruir, comandando o exército da Oceania, todos os inimigos e é ele também o oposto de Emmanuel Goldstein: o Inimigo do Povo. O discurso de Goldstein é em defesa da “liberdade de expressão, liberdade de imprensa, liberdade de reunião, liberdade de pensamento” e tudo isso é contra o que o Partido e o G.I.  pregam. Logo, todos os cidadãos da Oceania consideram completamente ilógico e despropositado defender essas coisas.

– os Membros do Partido são a minoria dominadora. Aqueles poucos privilegiados que nós conhecemos bem e que fazem de tudo para se manter no poder. São eles que controlam o restante da sociedade e que a manejam como bem entendem, de forma a ter tudo e todos sob controle máximo e absoluto.

– o Partido do Exterior é formado pelo que poderíamos denominar de Classe Média. Eles são inferiores aos do Núcleo do Partido e superiores aos proletas. Contudo, a escassez na qual vivem pode até se equiparar a dos proletas, excetuando o fato de que trabalham ativamente para contribuir com o Partido. O nosso protagonista mesmo é um dos que trabalham no Departamento de Registros, uma subdivisão do Ministério da Verdade. Na sua função Winston é um dos responsáveis por “retificar” fatos históricos de modo a alinhá-los com o atual discurso do Partido (o que significa que esses fatos podem mudar do dia para a noite, quantas vezes forem necessárias, de acordo com a conveniência).

– a camada inferior é composta pelos Proletas, que são a parte “esquecida” pelo partido. Eles moram em bairros paupérrimos e vivem à sua maneira sem ter que prestar contas a ninguém e a sua alienação os impede de almejar qualquer coisa melhor que isso. Os membros do partido não têm contato com eles e passam longe desses bairros a não ser para obter, clandestinamente, algum utensílio de que estejam precisando muito e que esteja em falta.



"Num mundo no qual todos trabalhassem pouco, tivessem o alimento necessário, vivessem numa casa com banheiro e refrigerador e possuíssem carro ou até avião, a forma mais óbvia e talvez mais importante de desigualdade já teria desaparecido. Desde o momento em que se tornasse geral, a riqueza perderia seu caráter distintivo. (...) Na prática, porém, uma sociedade desse tipo não poderia permanecer estável por muito tempo. Porque se lazer e segurança fossem desfrutadas por todos igualmente, a grande massa de seres humanos que costuma ser embrutecida pela pobreza se alfabetizaria e aprenderia a pensar por si; e depois que isso acontecesse, mais cedo ou mais tarde essa massa se daria conta de que a minoria privilegiada não tinha função nenhuma e acabaria com ela. A longo termo, uma sociedade hierárquica só era possível num mundo de pobreza e ignorância."


Sobre os Personagens:

Vou mencionar apenas quatro - Winston Smith, como eu já citei, que é o personagem principal e é sobre e através dos conflitos dele que a trama se desenrola. Temos Júlia, que, assim como ele, se mostra tendo ideias um tanto quanto “inotordoxas” para os padrões estabelecidos, mas nem tanto quanto Winston, como percebemos com o avanço dos acontecimentos. Outra pessoa com um papel importante é O’Brien, membro do Núcleo do Partido e que tem destaque vital pra trama. E, é claro, o Sr. Charrington, o dono da lojinha que Winston frequenta.


Sobre o Enredo:

Narrado em terceira pessoa, vemos o desenrolar da vida de Winston, cidadão da Oceania, com a saúde debilitada, que usa, sempre que possível, o álcool como uma pequena forma de escape e que, após adquirir impulsivamente um diário numa lojinha de um bairro proletário, resolve registrar nele os seus pensamentos.

Claro que ele ter feito isso “ilegalmente” é uma coisa subentendida. Não há lei alguma que proíba a ida a bairros proletários, aliás, não existem mais leis em geral, mas o fato de sentir necessidade de procurar algo que o Partido não oferece já é visto com maus olhos e pode levar a Polícia das Ideias a ter uma impressão errada de qualquer cidadão de bem. Afinal de contas, por qual motivo alguém em sã consciência precisaria colocar seus pensamentos em um pedaço de papel? O que há de tão importante e secreto assim que ele não poderia expressar com palavras audíveis, para que qualquer teletela pudesse ver e ouvir?


"O pior inimigo de uma pessoa, refletiu, era seu sistema nervoso. A qualquer momento a tensão que se acumulava em seu interior corria o risco de traduzir-se num sintoma observável." 


No início, pela falta de hábito e por estar com a cabeça a mil por hora, nosso protagonista tem os pensamentos desconexos evidenciando, assim, o seu desconforto em fazer algo ilícito, e nos mostrando, logo nas primeiras páginas, o medo que sente de ser descoberto e detido pelo Ministério do Amor.


"Ninguém sabia o que se passava dentro do Ministério do Amor, mas era fácil adivinhar: torturas, drogas, instrumentos delicados que registravam suas reações nervosas, desgaste progressivo em decorrência de falta de sono, da solidão, de interrogatórios incessantes."


Em meio ao nervosismo mental em que Winston vivia constantemente por ter pensamentos contraditórios aos de todo o resto da população, havia nele a esperança de que existissem outras pessoas que compartilhassem dos mesmos sentimentos que ele, secretamente, nutria contra o sistema totalitário no qual vivia.

Ele era um rebelde, um criminoso do pensamento, mas vivia num dilema em que às vezes tinha convicção de estar certo e de ser a única pessoa sã que conhecia, ao passo que ter essa consciência o tornava um ser único e sozinho no mundo.

A não ser, é claro, se a Resistência realmente fosse verdadeira.

Havia boatos da existência de um grupo denominado de Confraria. Seus componentes, assim como Winston, seriam contra o Partido à favor de Goldstein. E é por causa dessa esperança que ele passa a ver em O'Brien alguém com quem, no futuro, pudesse conversar caso suas suspeitas se confirmassem.

O que mudou a vida do protagonista:

*Um bilhete inesperado de Júlia, alguém que ele odiava e que queria matar.

*O aluguel de um quartinho num bairro proletário.

*E a confiança em O'Brien.

Encare tudo como um grande tabuleiro de xadrez (Partido X Resistência). A diferença é que, antes da Resistência começar o jogo, o Partido estava um passo na frente e já tinha todas as jogadas preparadas.

(alguns dos favoritos da vida)

Como eu já disse, esse é um dos melhores livros que eu li na vida até agora (se não o melhor), e cada vez que eu leio eu gosto mais ainda dele. O conflito pessoal do personagem. A constatação de que ele é diferente e a esperança de ver um mundo melhor; a esperança de encontrar pessoas que pensem como ele e a frustração em perceber que, mesmo havendo a possibilidade dele não estar sozinho, é impossível que ele consiga contato com tais pessoas sem ser descoberto.

A alegria de desfrutar de pequenos momentos de prazer ao invés de ter que agir o tempo todo de acordo com as normas estabelecidas pelo governo.

Toda a trama é de cunho político e, ao mesmo tempo, mostra ao leitor como faz diferença ser grato por coisas tão pequenas. Sem falar nas similidades que, em muitos trechos, encontramos na nossa sociedade atual. Claro que nada tão anárquico, pelo menos não aqui no Brasil, mas mesmo assim, é nos pequenos detalhes que conseguimos enxergar coisas parecidas (em menor escala, mas parecidas).

(imagem da adaptação de 1956)

Nosso personagem sabe que, mais cedo ou mais tarde, seria descoberto e que teria que enfrentar as consequências dos seus atos, e mesmo assim se arrisca. George Orwell nos envolve numa trama repleta de sagacidade e nos faz ver o mundo com outros olhos. Nesse livro vemos a perspectiva das diversas camadas da sociedade e entendemos como cada uma funciona. Nós entendemos as razões de cada uma delas agir de determinado modo e também vemos o governo controlando todos como se fossem marionetes.


"Se você quer formar uma imagem do futuro, imagine uma bota pisoteando um corpo humano 
- para sempre."


Assim como em >>Laranja Mecânica<< (mas com um desfecho e elementos diferentes), há um processo de "reabilitação" pelo qual os rebeldes passam. O autor nos leva ao interior do Ministério do Amor para passar, junto com Winston por esse processo, nos levando a ver de perto como as cordas da marionete são puxadas para o lado que o condutor (Partido) quiser.

Leitura maravilhosa, rica, atual e que faz com que tenhamos vontade de reler assim que terminamos, 1984 é um clássico da literatura mundial e referência para as distopias contemporâneas que fazem tanto sucesso hoje em dia.

Caso ainda não tenha lido, não sabe o que está perdendo.


GUERRA É PAZ
LIBERDADE É ESCRAVIDÃO
IGNORÂNCIA É FORÇA

6 comentários:

  1. Esse livro é maravilhoooooso! Também é um dos meus preferidos da vida, foi um marco para mim como leitora. Sua resenha tá sensacional, super detalhada e ainda dá mais dicas de distopias (todas que você citou também li e amei demais). 1984 deveria ser livro obrigatório para todos que gostem de literatura.

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    1. Concordo 100% com você!
      É exatamente o que eu digo, deve ser leitura obrigatória sem
      sombra de dúvidas!

      Obrigada pelo elogio e tenha uma ótima semana!

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  2. Esse livro é fantástico e a resenha está ótima!
    Sou fã dessa obra e acredito que todo leitor, principalmente os que são fãs das distopias atuais deveriam ler esse livro pra ver o que é distopia de verdade. Parabéns pelo conteúdo do blog e da resenha. Está muito bem estruturada.

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    1. Poxa, muito obrigada!
      Espero que continue acompanhando o blog :)

      Abçs!

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  3. Oi Luciana,

    A resenha está ótima! Deu pra relembrar algumas coisas que eu já tinha esquecido; afinal eu li o livro faz mais de 4 anos! Mas ele é excelente.
    Não foi a primeira distopia que eu li. Admirável Mundo Novo veio antes, e abriu meu mundo para essas histórias fantásticas!
    É um livro que todo mundo deveria ler!

    Beijos!

    http://www.booksimpressions.com.br/

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    1. Aline, Admirável Mundo Novo também foi o primeiro que eu li
      e achei igualmente incrível! É um dos que eu pretendo reler
      também esse ano [se o tempo me permitir].

      Obriga pelo elogio, flor. Que bom que gostou :)

      Beijinhos!!

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