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terça-feira, 5 de abril de 2016

LARANJA MECÂNICA, Anthony Burgess.

"- Então, o que é que vai ser, hein?"


O que você acharia de viver numa sociedade em que a violência tenha chegado a um patamar tão alto que fosse concebida a ideia de se fazer uma lavagem cerebral nas pessoas com o intuito de erradicar de uma vez por todas o "mal"?

Anthony Burgess levanta com maestria essa questão e nos faz pensar, com essa fábula, o quão longe um governo pode chegar para conseguir o que quer e como essa tomada de decisão visando "o bem" da humanidade afetaria a todos e como afetou o seu personagem principal.

Alex é um adolescente desregrado, muitíssimo violento e que sente verdadeiro prazer em causar dor e perda às pessoas, sejam elas quem forem - sem distinção de cor, credo, sexo... Ele busca provocar o caos simplesmente pelo gosto em fazê-lo. E é por ele que essa história sensacional é narrada.

Mesmo sendo o mais novo do grupo, nosso "humilde narrador" (como ele mesmo se autodenomina durante a narrativa) é o líder de uma gangue que vive tocando o terror pelos arredores da cidade onde moram e cometem atos inescrupulosos desde espancamento despropositado à estupro e até assassinato.

Nosso jovem delinquente possui casa e família, e mesmo assim prefere viver a seu modo, sem se importar com regras e imposições e sem sentir um mínimo de culpa ou remorso pelos seus atos. Ele faz o que faz porque gosta, simples assim. De tudo isso, a única peculiaridade inofensiva que ele possui é o gosto refinado por música clássica, no qual ele se deleita e tem até uma certa reverência aos compositores. E, por incrível que pareça, é ouvindo música que ele relaxa após uma boa noite de socos, facadas e roubos, e é também ouvindo música que ele sonha e planeja novos atos de rebeldia.

Ele e seus druguis (amigos) já são conhecidos pela polícia quando, um belo dia, Alex se vê indo preso após ter sido deixado para trás pelos seus companheiros e é quando ele se vê nas mãos do Estado que as coisas começam a mudar. Ele acaba sendo submetido a um experimento que tem como objetivo torná-lo completamente avesso a qualquer tipo de violência, e é esse processo de lavagem cerebral que nós acompanhamos até chegarmos a um desfecho pelo qual eu realmente não esperava.

O livro possui o nome Laranja Mecânica (título original: A Clockwork Orange) por se tratar da transformação compulsória do ser orgânico que é o homem, em uma verdadeira máquina que não possui liberdade de escolha e que se vê obrigada a agir exatamente de acordo com as normas que lhe foram imputadas. Caso a nossa laranja mecânica, vulgo Alex, não "dançasse conforme a música", ele se veria com um mal estar tremendo, chegando ao ponto de sentir náuseas apenas por cogitar bater em alguém mesmo que por autoproteção. Ele prefere apanhar e se sentir bem à se defender e ter de encarar um sofrimento psicológico maior do que as dores causadas pelas pancadas.

Ao ter a pena reduzida por se prontificar a participar do tratamento, Alex sai da prisão transformado e repudiando tudo o que ele fazia e todo e qualquer tipo de ato violento. Mas as consequências de se ter a mente modificada dessa forma são a reflexão a que o autor queria nos levar e, ao contrário do que pode parecer, nem tudo foram flores após a reinserção do nosso humilde narrador na sociedade.

E assim somos enredados por uma narrativa incômoda e envolvente ao mesmo tempo. Incômoda principalmente pelos termos utilizados. Burgess cria um vocabulário único (Glossário Nadsat) misturando palavras e expressões russas com o inglês e é usando gírias desse vocabulário que o nosso protagonista se expressa juntamente com seus amigos.

Contudo, temos um toque de formalidade quando ele usa termos shakespeareanos ao se dirigir às pessoas. Isso tudo misturado, causa um certo desconforto no início, mas depois nos acostumamos e percebemos com mais clareza os insultos e as ironias por ele proferidas. Em contrapartida, a história, como eu já disse, é narrada pelo próprio protagonista, o que nos leva a entrar de cabeça naquele mundo e nos faz parecer parte integrante do enredo.

Curiosidades:

  • O autor escreveu esse livro às pressas após ter sido diagnosticado com um câncer que o levaria à morte em pouco tempo. Por esse motivo ele quis escrever o máximo de livros que pudesse para deixar a sua esposa em uma situação financeira mais confortável após a sua morte. Ou seja, ele nunca imaginou nem idealizou que sua obra se tornasse um ícone da ficção distópica (ao lado de 1984, de George Orwell (resenha aqui), Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley,  e Fahrenheit 451, de Ray Bradbury) e nem esperava viver para ver o sucesso acontecer. No entanto, obviamente o diagnóstico foi falso, tanto que ele viveu mais de 40 anos após isso.
  • Heath Ledger, ator australiano, revelou antes de falecer que Laranja Mecânica foi uma de suas inspirações para incorporar o tão conhecido Coringa, em Batman - O Cavaleiro das Trevas.
  • Entre vários artistas e obras, tanto literárias quanto musicais e etc. que fazem referência à obra, há uma cerveja com o nome de Clockwork Orange, da Brentwood Brewing Company. A cerveja possui elevado teor alcoólico e um dos seus ingredientes é a laranja.
  • Após o grande sucesso e a repercussão causados pela adaptação cinematográfica feita por Stanley Kubrick, o nome do livro ficou mais conhecido que o próprio autor. Por isso supõe-se que Anthony Burgess teria adaptado a história para uma peça de teatro anos depois como forma de se reafirmar como o mentor da história. Ele faz referência a Kubrick de uma maneira não muito elogiosa na peça.


A Condição Mecânica

Segue abaixo o primeiro parágrafo de um livro de não ficção iniciado por Burgess cujo conteúdo seria a ética no que diz respeito à lavagem cerebral e ao controle social:

"Sou, por ofício, um romancista. Acredito tratar-se de um ofício inofensivo, ainda que não venha a ser considerado respeitável por alguns. Romancistas colocam palavras vulgares na boca de seus personagens e os descrevem fornicando e fazendo necessidades. Além disso, não é um ofício útil, como o de um carpinteiro ou de um confeiteiro. O romancista faz o tempo passar para você entre uma ação útil e outra; ajuda a preencher os buracos que surgem na árdua trama da existência. É um mero recreador, um tipo de palhaço. Ele faz mímica e gestos grotescos; é patético ou cômico e, às vezes, os dois; ele faz malabarismo com palavras, como se elas fossem bolas coloridas."

Infelizmente, a única coisa que se tem desse livro é o primeiro capítulo. Ao que parece, Burgess não deu continuidade ao projeto.

14 comentários:

  1. Tenho vontade de ler esse livro. Vou colocar na minha lista. bjs

    amo-os-livros.blogspot.com

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    1. Oi, Rê!
      Pode colocar porque não vai se arrepender!

      Beijão :)

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  2. Oi Lu!
    Que resenha perfeita *-*
    Eu nunca li o livro, vi o filme há alguns anos e ele já me traumatizou o suficiente - nunca mais consegui ouvir "Singin' in the rain" da mesma maneira...
    Não sabia do significado do título do livro nem da história do autor, aprendi bastante com a sua resenha!

    Beijos,
    Sora - Meu Jardim de Livros

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    1. Olá, Sora!
      Obrigada pelo elogio :)

      Eu assisti ao filme tem pouquinho tempo e realmente,
      a gente vendo tudo aqui é muito bizarro mas eu achei
      que o livro vale muito mais a pena. Dá pra captar
      exatamente o que o personagem está pensando enquanto
      comete aquelas atrocidades.

      Sem falar que no filme, eles deixaram de lado o último
      capítulo (assim como algumas edições também).

      Essa edição da Alepfh, além de conter esse capítulo, é
      recheada de informações importantes.

      Vale muito a pena.

      Beijos, e obrigada pela visita!

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  3. É exatamente esta edição linda que eu estou precisando comprar urgente. Quero muito ler esse livro, principalmente porque vc me disse que é em primeira pessoa rsrs amooo. Valew por ter me avisado. Abraços

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    1. Guto, leia e me conte o que achou!
      Vou querer saber se a minha indicação te agradou (mesmo
      você sendo tãããão DIFERENTÃO) hahahaha

      Abrçs :)

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    2. Somos todos diferentões não vem não kkkkkkkkkkk

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    3. Alguns diferentes são mais diferentes do que os outros. hahahaha
      (referência a Revolução dos Bichos, de George Orwell, já leu??)

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  4. Amo, amo, amo! Laranja Mecânica é um dos meus livros favoritos e sou apaixonada pelo filme também! Essa é uma história recheada de violência, mas cruelmente divertida e que nos faz refletir bastante! Todos deveriam ler!

    Beijos!
    Visite o Mademoiselle Loves Books
    http://www.mademoisellelovesbooks.com/

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    1. Ana, eu também amei essa leitura e entrou pros meus
      favoritos também. Achei genial e mais incríveis ainda são
      as condições em que o Burgess escreveu e o fato dele não
      considerar esse livro nem de longe uma das suas melhores
      obras.

      Imagine como devem ser os outros livros/textos desse homem!

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  5. Respostas
    1. Oii!
      Assisti logo depois de terminar a leitura.
      E você? Já leu ou assistiu? O que achou?

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  6. Li Laranja Mecânica há alguns anos e ele logo se tornou um dos meus livros favoritos, assim como o filme. Adorei a sua resenha e aprendi coisas que não sabia, como o significado do título.

    Beijo! ♥

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    1. Também virou um queridinho pra mim e
      eu pretendo reler muitas vezes!

      Que bom que a resenha foi esclarecedora.

      Beijos e obrigada pela visita :)

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